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O INCONSCIENTE SEGUNDO JUNG

 

Observação

Foi meu propósito apresentar, apenas, as idéias de Jung sobre a psique humana. Para ser mais fiel a esse propósito, procurei compilar os trechos mais importantes dos livros de Jung, e de outros autores que tratam de suas idéias (citação no final do artigo).Sempre que possível, copiei, integralmente, os parágrafos sem qualquer modificação. Como a finalidade foi resumir o assunto, algumas vezes fui obrigado a fragmentar períodos e adicionar algumas palavras para entendimento dos mesmos; entretanto, sempre preocupado em não alterar a idéia que o autor desejava transmitir.Tentei dar uma seqüência para maior compreensão do tema.Algumas observações minhas foram colocadas entre parênteses e em letras de menor tamanho. O número entre parênteses refere-se ao livro e o número fora, corresponde à página. 

 

Introdução

Vamos mostrar, resumidamente, nessa introdução, como as observações de diversos pesquisadores levaram à idéia de inconsciente, e como Freud, a partir do estudo das neuroses, desenvolveu suas teorias que propiciaram maiores conhecimentos dessa face desconhecida da psique. Em seguida, apresentaremos, apenas, as idéias de Jung sobre esse assunto.

Durante muito tempo a psicologia era considerada, exclusivamente, como uma psicologia da consciência normal, como se a alma constasse somente de fenômenos da consciência. Contudo, a psicologia médica, principalmente a francesa, logo se viu forçada a admitir fenômenos psíquicos inconscientes (1)55.- Já no tempo de Charcot, sabia-se que o sintoma neurótico é “psicógeno”, isto é, proveniente da alma. Sabia-se, também, graças principalmente aos trabalhos da Escola de Nancy, que qualquer sintoma histérico pode ser provocado pela sugestão.

Conheciam-se, igualmente, através das pesquisas de Janet, as condições psico mecânicas dos surtos histéricos, como anestesias, paresias, paralisias e amnésias. Mas não se sabia como um sintoma histérico pode proceder da alma.

Em 1880 o Dr. Breuer, velho clínico vienense (mestre de Freud), fez uma descoberta que, na realidade, se tornou o começo da nova psicologia. Tinha uma jovem cliente (amiga da mulher de Freud) que sofria de histeria: uma paralisação espasmódica no braço direito, com repetidas “amnésias” ou estados de sonolência, não sabia falar mais a língua materna e se expressava, apenas, em inglês (afasia sistemática). Não existiam causas orgânicas que justificassem a perturbação. Breuer havia notado que o estado da paciente melhorava durante algumas horas, cada vez que a deixava falar - em estado de sonolência provocada ou espontânea - de todas as reminiscências e fantasias que lhe ocorressem.

A cliente adoeceu quando cuidava do pai, mortalmente enfermo.Como é compreensível, suas fantasias giravam principalmente em torno dessa época repleta de emoções. As suas reminiscências daquele tempo ressurgiam, nos estados de sonolência, com tamanha precisão e com tantos detalhes, que se podia supor que um pensamento desperto jamais as teria reproduzido com a mesma forma e exatidão. Coisas insólitas foram sendo reveladas. Aconteceram quando acompanhava seu pai que apresentava grave estado de saúde. Nesse momento, por estar muito tensa, sonhou acordada (devaneio) e viu uma cobra que se aproximava de seu pai. Queria repelir o animal mas estava com o braço dormente, anestesiado e paresiado e viu seus dedos transformarem-se em pequenas cobras com caveiras nas pontas. Não podia falar língua alguma, a não ser em inglês, quando conseguiu rezar nessa língua.

Atribuiu-se a essas cenas um significado causal na gênese do sintoma.

A teoria procedente da Inglaterra, energicamente defendida por Charcot, do choque nervoso, que na época dominava a interpretação da histeria, prestava-se muito para explicar a descoberta de Breuer. Daí resultou a chamada teoria do trauma, segundo a qual o sintoma histérico vem da psique abalada, persistindo inconsciente durante vários anos as impressões produzidas.

Freud acompanhou essa experiência, nessa época, quando era colaborador de Breuer. Freud quis saber porque a paciente era predisposta a tais problemas. É freqüente observar-se que cenas de forte conteúdo emocional têm um efeito diferente sobre cada pessoa. Donde se conclui que a intensidade de um trauma, em si, tem pouca determinação patogênica, mas este deve ter para o paciente um significado particular. Em outras palavras, não é o choque em si que provoca, invariavelmente, a doença, mas esta ocorre quando ele encontra uma determinada disposição psíquica, que poderia ser o fato de a paciente atribuir, inconscientemente, um significado específico ao choque.

 

Jung diz que as observações mostraram que os sintomas manifestados em determinada época (trauma), têm um preâmbulo anteriormente. A medida que as experiências foram-se multiplicando, foi sendo provado que na totalidade dos casos existia, ao lado dos fatos traumáticos da vida, uma perturbação de ordem específica, situada no plano erótico.

 

Com essa descoberta, operou-se na interpretação de Freud uma reviravolta considerável. Freud, baseando-se inicialmente na teoria do trauma de Breuer, procurou a causa das neuroses nos acontecimentos traumáticos da vida. Mas, depois dessa descoberta, deslocou o centro do problema para outro plano bem diverso (10)2-7.- A orientação da pesquisa freudiana tentava demonstrar a primazia do fator erótico sexual na origem do conflito patológico.

Segundo essa teoria, há uma colisão entre a tendência do consciente e o desejo imoral, incompatível, do inconsciente. O desejo inconsciente é infantil, ou melhor, é um desejo do passado infantil que não se adeqüada mais ao presente, razão pela qual é reprimido, e isso por motivos morais.

O neurótico tem a alma de uma criança e suporta mal as restrições arbitrárias, cujo sentido não reconhece; aliás, ele procura apropriar-se dessa moral, mas desavém-se consigo mesmo. Quer reprimir-se, por um lado, e libertar-se, por outro. A este conflito damos o nome de neurose. Se esse conflito fosse claro e totalmente consciente, é provável que nunca daria origem a sintomas neuróticos; estes só aparecem quando não se consegue ver o outro lado do próprio ser, nem a premência de seus problemas. O sintoma parece produzir-se unicamente nessas condições, e ajuda o lado não reconhecido da alma (inconsciente) a exprimir-se.

Segundo Freud, o sintoma é, portanto, uma realização de desejos não reconhecidos, que, se fosse reconhecido, entrariam em violenta oposição às condições morais (10)17.

Jung comenta: “... acompanhamos a teoria da neurose até o ponto em que nos chocamos com a constatação de Freud de que a predisposição pela qual a experiência traumática se torna atividade patogênica seja sexual. Com bases em nossas reflexões anteriores, podemos entender o que significa predisposição sexual: é um retardamento, uma frenagem no processo de liberar a libido (Jung define libido como toda energia psíquica) das atividades do estágio pré-sexual.”

 

Para melhor esclarecimento, apresento as tres fases, sob o ponto de vista da sexualidade, na vida humana, citadas por Jung:1. Estágio pré-sexual (primeiros 3 ou 4 anos de vida) - caracteriza-se quase exclusivamente pelas funções de crescimento e nutrição.2. Período da pré-puberdade (dos últimos anos da infância até a puberdade) - é nesse período que a sexualidade germina.3. Período da maturidade (da puberdade em diante) - é o da idade adulta (6)125. Primeiramente, deve-se entender esta perturbação como uma exagerada demora da libido, em certas etapas, na sua passagem da função nutritiva para a função sexual. Isto produz um estado desarmônico uma vez que atividades provisórias, e propriamente superadas, ainda persistem numa idade em que já deveriam ter acabado.

Esta fórmula vale para todos os traços infantis em que são pródigos os neuróticos, fato esse que não escapa a nenhum observador atento.

No campo da dementia praecox (esquizofrenias) o infantilismo é tão acentuado que ajudou a dar o nome expressivo a um complexo de sintomas: a hebefrenia. O assunto não termina com a constatação de que há uma simples demora em etapas provisórias. Enquanto parte da libido demora num certo degrau, o tempo corre e, com ele, o restante do desenvolvimento do indivíduo.

O amadurecimento físico faz com que aumente sempre mais a distância e a discordância entre a atividade infantil que persiste e as exigências da idade mais adulta com suas condições de vida mudadas.

E assim está lançado o fundamento da dissociação da personalidade e, com isso, o conflito que é a verdadeira base da neurose.

Quanto mais libido estiver empenhada numa atividade, mais intenso será o conflito. A vivência mais adequada para tornar manifesto este complexo é a traumática ou patogênica.

Jung não concorda com Freud e diz: “Infelizmente a realidade é mais complicada...que, de forma alguma, é, improvável esteja a origem de uma neurose num desenvolvimento afetivo retardado (6)136,137.

Para Jung, a principal causa da neurose está num estado de desunião consigo mesmo. O motivo dessa desunião, na maioria das pessoas, consiste no fato de que a consciência deseja manter seu ideal moral, enquanto o inconsciente luta por um ideal imoral – no sentido convencional – que a consciência constantemente tenta negar. Indivíduos desse tipo pretendem ser mais decentes do que realmente são. (10)126

O experimento de associação aplicado a um neurótico nos dá uma série de indicações sobre determinados conflitos de natureza atual, que denominamos complexos. Estes complexos contêm exatamente aqueles problemas e dificuldades que levaram o paciente a estar em desarmonia consigo mesmo. Trata-se em geral de conflitos de amor. Do ponto de vista do experimento de associação, a neurose aparece como algo bem distinto do que do ponto de vista da teoria psicanalística primitiva.

Segundo este último ponto de vista, a neurose parece uma configuração que tem suas raizes na primeira infância e que cresce sufocando o normal. Do ponto de vista do experimento de associação, a neurose aparece como reação a um conflito atual que se manifesta com a mesma freqüência nas pessoas normais, mas que por elas é resolvido sem maiores dificuldades. O neurótico, porém, fica parado no conflito e sua neurose parece mais ou menos conseqüência dessa parada.

Dizemos, por isso, que os resultados do experimento de associação falam mais alto em favor da teoria da regressão. Se a pessoa humana procura adaptar-se plenamente, sua libido estará sempre ocupada de maneira correta e em grau suficiente. Caso contrário, estará bloqueada e produzirá sintomas regressivos. O não cumprimento do esforço de adaptação, isto é, a hesitação do neurótico diante da dificuldade é, no fundo, a hesitação de toda criatura diante de um esforço de adaptação.

Existe também dependência de fantasias, mesmo que estas sejam secundárias, em geral. A dependência de fantasias (ilusões, preconceitos, etc.) transformam-se aos poucos em costume, a partir de inúmeras regressões diante de obstáculos que foram aparecendo desde a tenra idade. E assim, desenvolve-se um ato formal bem conhecido de todos os estudiosos da neurose. É o caso daqueles pacientes que usam de sua neurose como desculpa par eximir-se das obrigações.

O recuo habitual gera uma evidência, também habitual, de que a vida se constitui de fantasias e não de cumprimento de obrigações. E, assim, as fantasias supostamente etiológicas são apenas compensações, dissimulações e fundamentações de um trabalho não realizado na vida real. (6)179,180(Observação minha: Jung deslocou, apenas, o centro da estagnação da fase de desenvolvimento psicológico da criança, como sustenta Freud, para o conflito atual do paciente. Mas uma vez, ele trata do mecanismo “fisiopatológico” da neurose e não chega à etiologia, ou à disposição, como tentou Freud. Essa disposição não estaria em um distúrbio somático?).

Ninguém está autorizado a afirmar sem mais a existência ou propriedades das fantasias; para tanto, seria preciso que se observassem efeitos na consciência cuja origem inconsciente pudesse ser descrita em termos de simbolismo consciente.

A questão é se podemos realmente encontrar na consciência efeitos que correspondem a esta expectativa. A escola psicanalítica acredita ter encontrado semelhantes efeitos. Menciono, logo de saída, o fenômeno mais importante: o sonho. Dele devemos dizer que entra na consciência como uma grandeza complexa cuja composição de elementos não é consciente. Somente após estabelecermos uma série de associações para cada imagem individual do sonho, podemos demonstrar que estas imagens têm sua origem em certas reminiscências do passado mais próximo ou remoto (6)148. Para maiores detalhes, ver “A importância dos sonhos” (9)20.

Além do sonho, há muitos outros produtos de constelação inconsciente. Temos, por e-xemplo, no experimento da associação (de palavras ou idéias), um meio de determinar exatamente as operações que procedem do inconsciente. Encontramos essas operações nas perturbações do experimento que chamamos indicadores de complexos.

A tarefa que o experimento de associação coloca para a pessoa examinada é tão fácil e simples que até uma criança pode executá-la sem problema (6)152. (Comentaremos esse assunto mais adiante).

O que é inconsciente é realmente algo que não sabemos. Nossos opositores também estão convencidos de que algo assim não existe. Este juízo a priori é escolástico e não há como fundamentá-lo. Não podemos aferrar-nos ao dogma de que só a consciência seja a psique; temos provas diárias de que nossa consciência só constitui parte da função psíquica.

 

Os conteúdos de nossa consciência já se manifestam altamente complexos; a constelação de nosso pensamento, a partir do material contido na memória, é quase totalmente inconsciente. Por isso temos que aceitar, quer nos agrade quer não, algo psíquico não-consciente que por hora é “mero conceito limítrofe negativo”.

Dado ao fato que percebemos atividades cuja origem não está na consciência, somos obrigados a atribuir à esfera do não-consciente conteúdos hipotéticos, ou seja, presumir que as origens de certos efeitos estão no inconsciente, uma vez que não são conscientes (6)145.

                  

                                                                           

 

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