

O MODELO CELULAR DA HEMOSTASIA
1. Cultura de células endoteliais
2. Conhecimentos básicos da hemodinâmica para o entendimento da
formação do trombo hemostático
3. Micropartículas, um componente da hemostasia
4. Os grânulos alfa plaquetários.
5. Membrana celular (destaque para a fosfatidilserina)
A NOVA VISÃO DA HEMOSTASIA - O MODELO CELULAR
Introdução
A hemostasia é um complexo mecanismo que o organismo lança mão para coibir hemorragia ou corrigir uma lesão endotelial, mesmo que não haja hemorragia.
Esse mecanismo decorre da interação dos mais diversos constituinte: fatores da coagulação, fatores que tomam parte na anticoagulação, fatores que tomam parte na fibrinólise, membranas de diversas células sanguíneas (leucócitos), partículas derivadas de células hematopoiéticas (plaquetas liberadas pelos megacariócitos), micropartículas derivadas das plaquetas, leucócitos e células endoteliais, células da parede vascular e do subendotélio (fibra muscular, fibroblasto e colágeno).
Acontece que esses elementos que concorrem para manter o estado líquido do sangue em situação de normalidade e que são ativados para promover a hemostasia, podem ser ativados em momentos patológicos como: septicemia, inoculação de veneno de serpente ou de taturana, hemólise desencadeadas por diversas causas, cirurgias (provavelmente pela entrada na circulação de material tecidual), câncer, trombos venosos ou arteriais. Sabemos, hoje em dia, que a ativação, tanto do mecanismo fisiológico como nos processos patológicos, se dão de formas diferentes.
O nosso tema estará restrito, apenas, à formação do trombo hemostático dirigido para o desencadeamento da hemostasia decorrente da lesão vascular traumática, levando ou não à perda sanguínea.
Microambiente hemostático
Como dissemos, anteriormente, a hemostasia é o processo que o organismo desencadeia para coibir a hemorragia, ou para corrigir alguma lesão endotelial, mesmo sem perda sanguínea. Para tal, esse processo, em estado de normalidade, deve se restringir ao local da lesão vascular, ao que podemos denominar de microambiente hemostático.
O modelo da coagulação, em cascata, apresentado na página Hemostasia 1 do menu, não consegue explicar a razão da falta de hemorragia na deficiência de FXII/HMK/PK, o sangramento variável na deficiência do FXIa, e o sangramento intenso na deficiência dos fatores VIIIa e IXa; considerando que nesses três exemplos, o tempo de tromboplastina parcial ativado (aPTT), está, muitas vezes, prolongado.
Por outro lado, baseados apenas no estudo dos constituintes da hemostasia no sangue
periférico, sem o estudo do local onde se dá a formação do trombo hemostático (microambiente hemostático), fica impossível entender a relação entre os distúrbios hemorrágicos, acusados pelos testes laboratoriais, e o que se passa no microambiente hemostático, local onde os pesquisadores concentraram sua visão para explicar a fisiologia da hemostasia.
Antes de entrarmos no texto para descrever a visão do modelo celular, no microambiente hemostático, precisamos fornecer detalhes sobre alguns componentes que mais se destacam nesse complexo mecanismo.
1. Cultura de células endoteliais
Os trabalhos tomaram um grande impulso com o desenvolvimento da cultura de células endoteliais em 1973. Os pioneiros da cultura de células endoteliais, que propiciaram uma enxurrada de trabalhos que reproduziram, em laboratório, os conhecimentos atuais sobre o microambiente hemostático, foram Nachman e Jaffe.
Segundo esses autores -"As células endoteliais, derivadas das veias umbilicais humanas, foram cultivadas, in vitro, pela primeira vez, com sucesso, em 1973 [Jaffe, EA, Nachman, RL, Becker, CG, Minick, CR. Culture of human endothelial cells derived from umbilical veins: identification by morphologic and immunologic criteria. J. Clin.Invest.1973.52:2745-2756.
Para identificar, inequivocamente, essas células, foram usados os anticorpos dirigidos para as estruturas do Weibel-Palade e o antígeno do fator von Willebrand, que serviram como marcadores morfológicos, imunohistoquímicos e funcionais. Esses estudos foram um marco que ajudou a iniciar o crescimento da biologia vascular moderna.
Na figura 2, vemos o resultado obtido na experiência com cultura de células - uma camada de células endoteliais aderidas umas às outras, reproduzindo o endotélio vascular:

Figura 2. Imagem histórica da cultura de células endoteliais, obtidas por Nachman e Jaffe. Foi apresentada na sessão de reunião da ASCI 1974 em Atlantic City, mostrando a primeira cultura de células endoteliais, e o critério usado para identificá-las.
Essa descoberta propiciou os estudos das reações físico-químicas reproduzindo, com maior fidelidade, o que se passava no microambiente hemostático.
Como pode ser visto no gráfico abaixo (figura 3), apresentado por Nachman e Jaffe, a fase explosiva da literatura médica aconteceu no início da década de 1990 coincidindo com o crescente interesse nesses estudos:

Figura 3. Fase explosiva da literatura médica relativa ao número de trabalhos sobre o assunto citado.
2. Conhecimentos básicos da hemodinâmica para o entendimento da formação do trombo hemostático
Há dois principais tipos de fluxo sanguíneo, o laminar e o turbulento.
O primeiro é representado pelo deslocamento do sangue em camadas paralelas entre si e à parede do vaso, de modo constante, suave e independentemente da duração do fluxo (Fig. 4).

Alta velocidade Baixa velocidade
Figura 4 - Essa figura é do artigo de PAPAIOANNOU, T G e STEFANADIS, C.
Conceitualmente, o fluxo laminar é constituído por camadas adjacentes paralelas (entre si e à parede do vaso sanguíneo).
Desse modo, são diversas as velocidades das lâminas do sangue, partindo próximo de zero junto ao endotélio vascular até a velocidade máxima na lâmina central. Podemos com isso deduzir que a força de cisalhamento (arrasto) dos elementos figurados do sangue, particularmente das plaquetas, é baixa no estado de normalidade do fluxo sanguíneo junto à camada endotelial do vaso sanguíneo.
Já o fluxo turbulento caracteriza-se por ser caótico, quer na velocidade quer pelo deslocamento irregular das lâminas do sangue, o que leva a um grande arrasto (choque) dos elementos figurados (inclusive das plaquetas) em contato com a lesão da parede vascular, seja por ferimento (quando se forma o trombo hemostático), seja por placas de ateroma (quando um trombo semelhante ao hemostático é formado no caso de lesão do endotélio que recobre a placa).
A existência de estenoses, ramificações e curvas ao logo do trajeto vascular tende a originar variações súbitas de direção e de velocidade do fluxo. Daqui podem resultar fluxos secundários, redemoinhos ou zonas de recirculação entre o fluxo e a parede. Este tipo de perturbação contribui, potencialmente, para a localização de placas ateroscleróticas e para a trombogênese.
Shear rate
Literalmente, "to shear" é definido como tosquiar ou cortar rente.
Sob o ponto de vista da hemodinâmica a tradução de shear para o português (Br) é tensão de cisalhamento, e para o português (Pt) é tensão tangencial.
A unidade de medida do shear rate é denominada de segundo recíproco, ou segundo inverso, e está representada por s-1.
O shear rate para um fluido, decorre entre as camadas ou lâminas do sangue, no espaço entre duas lâminas paralelas, uma das quais se move, em velocidade diferente, em relação a outra. Consequentemente, teremos gradações diferentes entre as diversas camadas do sangue a partir da margem do vaso sanguíneo até o centro da circulação.
No meu entendimento, para aplicação em hematologia, já que é um tema extenso da mecânica, particularmente da hemorreologia, relaciona-se à plaqueta e se refere ao deslocamento desse corpúsculo, na lâmina de sangue, rente ao endotélio, com ou sem lesão da parede do vaso sanguíneo.
O que se quer dizer com isso, e que interessa para o assunto, é que nesse deslocamento da plaqueta, ela se choca com a parte sólida da parede vascular ou se arrasta nessa parte (arrasto); devendo-se considerar a velocidade com que isso se faz e à força de choque da plaqueta.
Dependendo dessa velocidade, teremos respostas diferentes ao estímulo sobre a plaqueta, que resulta de sua ativação, e à sua ligação com o fator von Willebrand.
O estímulo sobre a plaqueta resultante da hemodinâmica no microambiente hemostático é denominado de mecanotransdução.
Shear stress
A tensão de cisalhamento (shear stress) é uma força biomecânica que é determinada pelo fluxo de sangue, geometria do vaso e viscosidade do fluido, que é computacionalmente estimada utilizando modelos de dinâmica de fluidos e é expressa em unidades dinas/cm2. Forças de tensão de cisalhamento são aplicadas diretamente sobre o endotélio e modulam a estrutura endotelial e a função através das atividades de mecanismos de mecanotransdução locais; com a ativação final da promoção de resposta dos fatores elementos/transcrição, que modulam a expressão do gene endotelial.
3. Micropartículas, um componente da hemostasia
As micropartículas (MP) são porções desprendidas da membrana de todas as células, com ou sem estimulo. O processo desse desprendimento é de gemulação, denominado de "endocitose", sendo o diâmetro dessas partículas de 0,1-1 mm.
Uma característica importante da membrana dessas partículas, diferentemente da membrana de uma célula não ativada, é a perda da assimetria da camada lipídica dupla. Essa perda da assimetria é consequência do deslocamento, na membrana celular ativada, de fosfolipídios da camada interna da membrana para a camada externa; o que torna a membrana negativamente carregada.
Vamos recordar que as membranas das células não ativadas, apresentam no folheto externo, predominância de colinofosfolipídios (esfingomielina e fosfatidilcolina) enquanto que no folheto interno, predominam aminofosfolipídios (fosfatidilserina e fosfatidiletanolamina). Esse posicionamento dos fosfolipídios (assimetria) é que permite o funcionamento normal da membrana celular *Ver abaixo detalhes sobre membrana].
Apesar de que a assimetria é a regra para as células normais, a perda dessa assimetria com o deslocamento da fosfatidilserina da camada interna para a externa, está associada a muitos fenômenos fisiológicos e patológicos. Essa perda da assimetria, que torna a célula ativada, e carregada negativamente, se dá pelo influxo de cálcio.
As MPs circulantes no sangue se originam de diferentes células, tais como hemácias, leucócitos (monócitos, neutrófilos, linfócitos T e B), plaquetas e células endoteliais (ECs). O nível sanguíneo das MPs resulta do equilíbrio entre a taxa de libertação da superfície da célula e a sua depuração da circulação.
Estudos de modelos de camundongos sugerem que a depuração, das MPs circulantes, ocorre no baço. Em indivíduos saudáveis, mais de 80% das MPs circulantes transportam antígenos plaquetários ou megacariocíticos, indicando que as MPs, decorrentes de outras células, como leucócitos ou ECs representam uma minoria das MPs circulantes.
As MPs não são, apenas, marcadores de células ativadas ou danificadas, elas interferem em grandes processos patofisiológicos como: hemostasia, inflamação, sobrevida das células, apoptose, função endotelial, remodelação vascular, e angiogênese.
Na figura 5, temos uma boa ideia das proporções das MPs circulantes e dos marcadores de suas fontes de origem:

Figura 5. Como pode ser visto, em indivíduos normais, mais de 80% das MPs decorrem das plaquetas e dos megacariócitos. LINK
As organelas parecem ser excluídas das bolhas. Estruturas similares foram, também, observadas em megacariócitos humanos gerados a partir de sangue do cordão umbilical.
A inibição da polimerização da actina e a estimulação de sua despolimerização, aumentam a produção de micropartículas das vesículas a partir dos megacariócitos.
Essas observações apoiam o conceito de que o enfraquecimento da ligação entre a membrana e o citoesqueleto, provoca o derramamento de micropartículas .
Esta suposição é consistente com um conjunto de dados que sugere que a formação dinâmica das bolhas na membrana plasmática depende, criticamente, da integridade da actina filamentosa.
Na figura 6, são vistas MPs sendo geradas por megacariócito:

Figura 6 - Formação de micropartículas a partir do megacariócito. LINK
4. Os grânulos alfa plaquetários.
Apesar de que o mecanismo hemostático seja de grande complexidade, e constituído de um grande número de componentes, forneceremos maiores detalhes sobre as plaquetas e, consequentemente, das micropartículas delas derivadas (e dos megacariócitos), que têm grande destaque entre esses componentes.
Sempre que há lesão da parede vascular, as plaquetas da proximidade aderem à superfície de células e às fibras, musculares e de colágeno, concentrando no local da lesão (microambiente hemostático) as substâncias importantes para as reações. Nesse momento, quando as plaquetas são ativadas, concorrem também para a agregação de outras plaquetas na formação do corpo do trombo hemostático.
Particularmente, nos dedicaremos aos grânulos alfa que têm grande participação no processo hemostático, e das substâncias expostas na membrana plaquetária, muitas delas secretadas pelos grânulos alfa.
A área da membrana dos grânulos alfa é igual à do sistema canalicular aberto (formação observada apenas nas plaquetas, figura 2 da página Hemostasia 1)
Os grânulos alfa começam a ser formados nos megacariócitos, porém, continuam a se desenvolver enquanto plaquetas circulantes. Nos megacariócitos, os grânulos alfa derivam, em parte, de brotamento de pequenas vesículas, a partir do aparelho de Golgi, e por endocitose da membrana celular. No primeiro caso, as vesículas recebem substâncias do próprio aparelho de Golgi, no segundo, substâncias são trazidas do meio extracelular. Figura 7 - segundo Blair e Flaumenhaft

Figura 7 - Segundo Blair e Flaumenhaft.
Modelo de trabalho de formação de α-grânulo em megakaryocytes
O conteúdo dos grânulos alfa deriva da formação de bolhas da rede trans-Golgi (TGN) e da endocitose da membrana plasmática. A pinocitose do material ocorre nos grânulos alfa. As vesículas podem, subsequentemente, ser liberadas para os corpos multivesicular (MVBs), onde a ordenação das vesículas ocorrem. É possível que as vesículas possam ser liberadas diretamente para os grânulos alfa. Algumas vesículas nos MVBs contêm exossomas. Os MVBs podem amadurecer até se tornarem grânulos alfa.
Estudos em cães mostraram o acúmulo de fibrinogênio e imunoglobulinas que são captados, por endocitose pela plaqueta, na circulação. Eles mostram que os níveis que são obtidos pela endocitose, mas não pela forma endógena, aumentam nos grânulos alfa com o envelhecimento das plaquetas. Essa observação confirma que o tráfico de substâncias para os grânulos alfa, continuam com o envelhecimento das plaquetas circulantes.
Por outro lado, Lu W e coautores mostraram, por imunomicroscopia eletrônica, que o aparelho de Golgi pode estar envolvido na formação e liberação de grânulos alfa, não só nos megacariócitos, mas também em plaquetas circulantes, particularmente nos infartos cerebrais.
Dizem eles que o aparelho de Golgi é de grande importância para a via de secreção celular, recente, de proteínas e lipídios. Após a secreção dessas macromoléculas, elas são transferidas para a membrana plaquetária.
Conteúdo dos grânulos alfa
O vWf é secretado pelos grânulos alfa em uma estrutura tubular discreta. Já o fibrinogênio, o exemplo mais estudado, é secretado por esses grânulos pela via integrina αIIbβ3. As imunoglobulinas e a albumina se incorporam aos grânulos alfa via pinocitose. Por sua vez, o FV é incorporado por endocitose.
Proteínas adesivas secretadas, medeiam a adesividade entre as plaquetas e entre as plaquetas e o endotélio.
A endocitose das proteínas nos grânulos alfa pode ocorrer ao nível dos megacariócitos, plaquetas, ou de ambos.
Repetimos, o conteúdo dos grânulos alfa são liberados quando sua membrana se funde com a superfície do OAC (sistema canalicular aberto), ou pela membrana plasmática.
Os corpos densos, contêm altas concentrações de compostos de baixo peso molecular que potencializam a ativação plaquetária (ex: , ADP, serotonina e cálcio).
5. Membrana celular (destaque para a fosfatidilserina)
Essa parte é de maior importância, porque é na membrana celular onde se passam os diversos tipos de reações que vão levar ao mecanismo hemostático, sob a visão do modelo celular da hemostasia.
Como esse tema relativo à estrutura da membrana é muito amplo, e há fartura sobre ele na literatura na área biológica, nos limitaremos ao relacionamento da membrana celular com o processo hemostático.
As células são revestidas por uma membrana constituída por dupla camada de fosfolipídio o qual apresenta uma porção esférica (cabeça) de fosfato e duas caudas de ácido glaxo. Como está ressaltado na figura 8, a cabeça é hidrofílica e as caudas são hidrofóbicas.

Figura 8 – Estrutura molecular espacial de um fosfolipídio onde, geralmente, a cabeça é formada por colina, fosfato e glicerol e as caudas, por ácidos graxos.
Devido ao grande comprimento e ao grau de insaturação das cadeias de ácidos graxos, é produzido um efeito de fluidez na membrana celular, decorrente da dobra na cadeia insaturada (Figura 8), que previne os ácidos graxos de se unirem fortemente.
Os fosfolipídios se unem formando uma membrana, de dupla camada, semipermeável e, devido a essa dobra na cadeia, fica impossibilitada de juntarem-se firmemente. Com isso, a membrana celular toma a forma líquido-cristalina, facilmente deformável, ficando os fosfolipídios com a cabeça voltada para fora e as caudas para dentro. [Figura 8]

Figura 9 - Membrana celular constituída por dupla camada fosfolipídica
Essa camada bilipídica serve como base para a formação da membrana, entretanto, ela contém uma variedade de moléculas acopladas a ela, particularmente proteínas. Além dos fosfolipídios, a bicamada também possui colesterol e glicolipídios. A presença de colesterol entre os fosfolipídios, promovem rigidez e estabilidade à membrana bilipídica.
Em células animais, o colesterol está disperso em diversos graus entre as moléculas de fosfolipídios, em espaços entre as caudas hidrofóbicas onde ele confere um enrijecimento da membrana. (Ver figura 10)

Figura 10 - Esfingomielina em (a) e colesterol em (b) LINK
A membrana celular contém combinações de glicoesfingolipídios e receptores de proteínas constituindo os microdomínios de glicoproteínas, denominados de "lipid rafts". (No Oxford Dictionaries, rafts refere-se a qualquer massa de material flutuante na água como: conjunto de galhos de árvores, conjunto de pássaros, etc.). Desse modo podemos inferir que lipid rafts refere-se aos microdomínios de glicoproteínas que "flutuam" na dupla camada líquida de fosfolipídios da membrana celular.
Esses microdomínios, especializados da membrana, separam em partes diferentes os processos celulares, servindo como centros organizadores para a montagem de moléculas de sinalização, influenciando a fluidez da membrana, do tráfico de proteína pela membrana, e regulando a neurotransmissão e o receptor para o tráfico de íons e diversas moléculas. Esses microdomínios são firmemente ligados, ao contrário da bicamada que os circunda, mas flutuam livremente nessa bicamada.
A distribuição dos fosfolipídios nas camadas da membrana celular se faz de maneira assimétrica, de tal modo que no folheto externo predominam a fosfatidilcolina e a esfingomielina, enquanto no folheto interno predomina a fosfatidilserina.
Essa estrutura assimétrica, com um maior número de lipídios aniônicos no folheto interno da membrana e, principalmente, lipídios neutros no folheto externo, geram duas superfícies da membrana com vasto potencial eletrostático diferente. (Figura 11)

Figura 11– O íon sódio encontra-se mais concentrado fora da célula do que dentro, enquanto que o íon potássio está mais concentrado no interior da célula. Considerando apenas o efeito difusivo, a tendência é que o Na+ entre na célula e que o K+ saia. LINK
Acontece que essa assimetria dos lipídios da membrana não se mantém constantemente, ela pode ser modificada pelo transporte de fosfatidilserina do folheto interior para o folheto exterior o que promove mudança de carga positiva no folheto externo para negativa. LINK
Recentemente, pela primeira vez, investigadores do Departamento de Bioquímica da Universidade de Zurique, da equipe do Professor Raimund Dutzler, tiveram sucesso na determinação da estrutura de uma proteína da família TMEM16, que transporta a fosfatidilserina do folheto interno para o externo da membrana celular. A estrutura proporciona uma visão sobre a ativação da proteína por cálcio e o transporte de lipídios. O trabalho foi publicado na revista científica Nature. (Nature. 2014 Dec 11;516(7530):207-12.) LINK

Figura 12 - Estrutura da proteína na membrana.
A ilustração à esquerda retrata a superfície da proteína TMEM16 com a visualização da fenda que permite o movimento dos lipídios que cruzam a membrana. A Ilustração da direita mostra um modelo em fita da proteína de membrana, onde os íons cálcio ligados são
vistos em púrpura.
A exposição da fosfatidilserina na camada externa da membrana celular, é de extrema importância no processo da hemostasia. Decorrente da rápida elevação no cálcio no citosol, verifica-se uma assimetria dos fosfolipídios da membrana plasmática, resultante de um aumento da exposição dos fosfolípidos com carga negativa, devido à passagem da PS do folheto interno para o externo da membrana. Os fosfolipídios são extremamente importantes para a atividade pró-coagulante (PCA)de TF recombinante ou purificado, e a presença de fosfolipídios aniônicos como a PS acelera muito a PCA do TF.
6. A participação do fator tecidual (TF) na hemostasia
Tem sido aceito que o fator tecidual , uma glicoproteína, antigamente denominada fator III (FIII), em conjunto com o cálcio e a fosfatidilserina (PS), que se expõe no folheto externo da superfície celular após ativação, particularmente no fibroblasto e nas fibras de colágeno, são necessários para ativação do FVII. Com isso, forma-se o complexo FVII/FX. LINK
É verdadeira a importância da exposição do TF no folheto externo das membranas celulares, juntamente com a PS, entretanto, há trabalhos mais recentes que falam da menor importância do FT nas plaquetas, como descreveremos adiante.
Os megacariócitos, como as plaquetas, expressam quantidades limitadas de FT, entretanto, é duvidoso se os níveis do TF presentes nas plaquetas são fisiologicamente relevantes. Por outro lado, as plaquetas ativadas liberam quantidades consideráveis de inibidores da via do TF (TFPI), que restringem o crescimento do trombo ao inativar, rapidamente, o FT presente na superfície plaquetária. LINK
Østerud B, Olsen JO concluíram que as plaquetas livres de monócitos, não expressam TF ativo quando estimuladas pela PS ou fatores de complementos ativados. Não há evidência de atividade do TF associada às plaquetas como um resultado de um processo rápido e dinâmico. Colocar link: LINK
A NOVA VISÃO DA HEMOSTASIA - O MODELO CELULAR
Com um imenso número de pesquisas baseadas em culturas de células endoteliais, associadas a outros métodos, inclusive à hemodinâmica, e o estudo intravital em animais, esclarecendo diversas reações físico-químicas ligadas à formação do trombo hemostático no local da lesão vascular, foi sendo delineado um novo modelo da hemostasia -MODELO CELULAR.
Desse modo, passamos a considerar o modelo da cascata da coagulação como um componente do processo hemostático que decorre da participação de células, fibras e partículas como: endotélio, plaquetas, leucócitos, fibroblastos e fibras de colágeno, porém, com algumas modificações.
Ressaltamos, com isso, sob o ponto de vista do modelo celular, que as reações que levarão à formação do trombo hemostático, se fazem no microambiente hemostático e, particularmente, se desenvolvem nas membranas das células, e nas demais estruturas citadas.
E mais, mecanismos de anticoagulação limitam essas ativações celulares, e do mecanismo da coagulação, no microambiente hemostático; impedindo, com isso, que a ativação da coagulação se dissemine pela circulação.
Ressaltamos mais, apesar de todos os componentes hemostáticos descritos serem importantes para a hemostasia, o grande destaque está reservado para as plaquetas. São elas que vão iniciar a formação do trombo e contribuir para construir a massa principal desse trombo. Além disso ela se apresenta como o principal distribuidor de diversas substâncias que vão fazer parte da coagulação e anticoagulação, se fixando em sua superfície ou sendo eliminada para o meio circundante.
Apesar de diversas reações fisicoquímicas serem descritas, sequencialmente, em separado, como fizemos na página Hemostasia [1] (Menu à esquerda), com a finalidade de entendermos como se dá o processo hemostático, na realidade, elas se realizam concomitantemente.
Para melhor compreendermos essas reações físico-químicas no microambiente hemostático, vamos dar algumas informações que julgamos de importância.
Início da formação do trombo hemostático
Há autores que dizem que isso acontece pela ativação do mecanismo da coagulação -"The first important component that contributes to hemostasis is the coagulation system, while the second important component starts with platelet activation, which not only contributes to the hemostatic plug, but also accelerates the coagulation system."(O primeiro componente importante que contribui para a hemostasia, é o sistema da coagulação, enquanto que o segundo componente importante começa com a ativação plaquetária, a qual não contribui, apenas, para o trombo hemostático, mas também acelera o sistema da coagulação). *Henri H. Versteege coautores. Physiological Reviews Published: 1 January 2013 Vol.93 no.1,327-358].
Entretanto, no modelo celular, é sugerido que o início da formação do trombo hemostático, se dá pela interação da parede do vaso sanguíneo (com destaque para a célula endotelial e do subendotélio), lesionada, com a participação das plaquetas e dos monócitos-macrófagos e das micropartículas, e sob ação da variação da hemodinâmica sanguínea. Destacamos aqui que as reações referentes à hemostasia, se dão nas membranas das referidas células, partículas e fibras.
Durante várias décadas o estudo da hemostasia se baseou na ativação dos fatores da coagulação com a participação das plaquetas e dos fibroblastos (Detalhes na página Hemostasia 1 colocar link). Estava, pois, relacionado ao denominado mecanismo da cascata da coagulação. Com isso, o estudo da coagulação se desenvolveu no sangue periférico e trouxe, e ainda trará, avanços nesse campo.
Por outro lado, os pesquisadores sempre se preocuparam em saber como esse processo se fazia no local da lesão vascular, no microambiente hemostático.
Apesar das dificuldades em desenvolver o estudo da hemostasia no microambiente hemostático, durante as últimas décadas, foram se desenvolvendo conhecimentos para propiciar esse estudo.
Foi o que fizemos no início desse texto, quando mostramos esses desenvolvimentos ao falamos da cultura celular, do estudo da formação do trombo hemostático in vivo, da hemodinâmica, da estrutura da membrana celular e de sua funcionalidade.
Foram Maureane Hoffman e Dougald M. Monroe III que propuseram, pela primeira vez, em 2001: LINK
Disseram eles: "... Em contraste [Referindo-se ao modelo da cascata], nós propomos um modelo na qual a coagulação é regulada pelas propriedades das superfícies celulares. Esse modelo enfatiza a importância de receptores celulares específicos para as proteínas da coagulação. Assim, células com conteúdo similar de fosfatidilserina [Nota minha: já mostramos anteriormente como a fosfatidilserina é expressa no folheto externo das membranas], podem desempenhar diferentes funções na hemostasia, dependendo dos complementos dos receptores de superfície."
Obedecendo os limites do nosso assunto descrevendo, apenas, a formação do trombo hemostático. Após rotura da parede vascular, a plaqueta que circula nas proximidades da parede vascular lesionada e do subendotélio exposto, vai aderir a diversos componentes (célula endotelial, fibra muscular e demais células da parede, como também ao fibroblasto e ao colágeno do subendotélio). Todas as reações que descreveremos, se passam nas membranas desses diversos componentes.
A adesividade ao colágeno é propiciada pela presença de fator von Willebrand (FvW) sintetizado pela célula endotelial e, após ativação plaquetária, eliminado pelos grânulos alfa, ficando disperso nesse microambiente decorrente da lesão. A GP-Ib é o principal receptor plaquetário para o vWF.
Concorrem para essa ligação ao colágeno, dois receptores transmembrana: glicoproteína VI (GPVI) e integrina α2β1 [GPIIb-IIIa], ambos os quais desempenham papéis importantes na adesão e ativação das plaquetas .
Kee e coautores mostraram que as plaquetas, ao aderir ao colágeno, recebem um estímulo mecânico que produz seu espalhamento e ativação.
Este estudo demonstra que as plaquetas são sensibilizadas, mecanicamente, nos substratos de colágeno subjacentes, efetuam a mecanotransdução desses sinais, o que altera a sua fisiologia, e estimula diretamente o FVII em associação com a fosfatidilserina (PS). O estímulo mecânico do colágeno sobre as plaquetas funciona como uma outra categoria de efetores que modulam a fisiologia das plaquetas, ao aderirem, independentemente dos estímulos pelos agonistas biológicos e bioquímicos já bem estudados.
A exposição de PS é um componente chave na ativação das plaquetas, e está associada com a atividade pró-coagulante na superfície plaquetária, dando início à reação em cascata da coagulação. Portanto, os resultados de Kee e coautores, ligam diretamente a mecanotransdução de substratos de colágeno com a fisiologia das plaquetas e a formação do coágulo de fibrina.
Outras substâncias colaboram para a ativação plaquetária: tromboxane A2, ADP, trombina e PAF (fator ativador de plaquetas, liberado pelas células endoteliais, neutrófilos ou monócitos).
Os fatores da coagulação mostram fraca atividade quando em solução e, ao se ligarem a superfícies apropriadas têm sua atividade acelerada em cerca de mil vezes. Por outro lado, essa ligação constitui um mecanismo poderoso para limitar essas reações nas superfícies celulares ao local da injúria. Essa ligação à superfície é dependente de cálcio.
Seguindo a teoria de Maureane Hoffman e Dougald M. Monroe, Link http://media.johnwiley.com.au/product_data/excerpt/09/04706705/0470670509-1.pdf
em recente atualização dessa teoria celular da hemostasia (2014), descreveremos as três fases (já descritas em 2001), da seguinte maneira:
1. Iniciação
O mecanismo hemostático tem início imediatamente após lesão de vasos de pequeno calibre, havendo ou não perda sanguínea.
Com a lesão do vaso sanguíneo, ficam expostas as estruturas já mencionadas acima. Com isso as plaquetas que se chocam ou se arrastam nessas estruturas (shear rate e shear stress já comentados anteriormente), ficam aderidas devido à ligação entre o FvW e a GPIb. Consequentemente, através da GP plaquetária VI, a plaqueta é ativada o que produz a liberação de substâncias contidas nos grânulos alfa, de início, o FV na sua forma ativada (FVa).
Forrando a membrana das estruturas expostas na lesão vascular, o fator tecidual (TF) se mantem disponível para reações, sendo denominado envelope hemostático.
De imediato, após exposição do TF, liga-se a ele o FVII que sofre ativação (FVIIa) e forma o complexo TF-FVIIa. A formação desse complexo é de suma importância na ativação do FX que, por sua vez, vai ativar mais FVII e com isso aumentar a formação do complexo TF-FVII.
Entretanto, para impedir a formação exacerbada desse complexo, inicia-se sua regulação pelo inibidor TFPI (tissue factor pathway inhibitor) (Literalmente: inibidor da via do fator tecidual). Esse inibidor liga-se aos fatores Xa e VIIa para desativar parte do complexo TF-FVIIa. Essa inibição requer FXa, caso contrário, o complexo TF-FVIIa não seria neutralizado até que o FXa fosse formado.
Esse complexo (TF-FVIIa) é de grande importância para iniciar os, correspondentes, caminhos extrínseco e intrínseco da coagulação, ativando o FX e o FIX, respectivamente.
Com a ativação do FX, forma-se o complexo Xa-Va que vai converter pequena porção de protrombina em trombina (caminho extrínseco da coagulação). O FXa no complexo com o FVa está protegido da grande quantidade do inibidor antitrombina, entretanto, uma vez liberado do complexo, a inibição do fator Xa se dá rapidamente (tempo aproximado de 4 minutos).
Resumindo a fase de iniciação (presente na superfície de células subendoteliais) - a plaqueta se liga à lesão subendotelial pelo FvW e a GPIb e, em seguida é ativada pela GP VI plaquetária. Na superfície do tecido subendotelial lesionado, expõem-se o TF que se liga ao FVIIa e forma o complexo TF-FVIIa que, por sua vez, ativará o FX. Esse fator, tendo como cofator o FVa (FX-FVa), e atuando sobre a protrombina (FII), vai gerar pequena quantidade de trombina (caminho extrínseco da coagulação).
2. Amplificação
A pequena quantidade de trombina formada na fase de iniciação não é suficiente para gerar grande quantidade de fibrina. Entretanto, essa quantidade de trombina é importante para ativar, ainda mais, a plaqueta.
Na superfície plaquetária, a trombina é protegida da inibição da antitrombina, já que no plasma ela tem uma vida média de 1 minuto.
A trombina pode se ligar, pelo menos, a dois receptores na superfície plaquetária: a glicoproteína Ib e ao receptor ativado por protease (PAR)-1. Essas ligações vão propiciar à maior ativação das plaquetas por parte da trombina e, consequentemente, ao deslocamento da fosfatidilserina, da camada interna da membrana plaquetária, para a camada externa. Por outro lado, vai alterar a conformação do complexo glicoproteína IIb-IIIa, facilitando a ligação desse complexo com a fibrina.
A ativação das plaquetas pela trombina resultará na liberação de vária substâncias armazenadas nos grânulos alfa e nos corpos densos. Dentre as diversas substâncias dos corpos densos, destaca-se o ADP e, dentre as substâncias dos grânulos alfa é ressaltada a liberação do FV e do fibrinogênio. Essas substâncias liberadas, colaboram para aumentar a ativação plaquetária e a liberação de polifosfato (polyP). O polyP é armazenado nos corpos densos das plaquetas humanas e liberado após sua ativação. Foi mostrado que o polyP possui potente atividade modulatória sobre a coagulação sanguínea e a inflamação. Estudos recentes demonstraram que o polyP inicia a via de contato ativando o FXII em FXIIa e também leva à formação da bradicinina derivada da clivagem do cininogênio mediada pela calicreina de alto peso molecular.
A trombina ligada à glicoproteína Ib pode clivar os receptores PAR-1 e PAR-4, bem como clivar FVIII, liberando FVIIIa na superfície plaquetária. O FVIII circula formando complexo com o FvW. Considerando-se que a trombina e o FvW se ligam à glicoproteína Ib, é sugerido que o FVIII pode ser apresentado à trombina de tal modo que permita uma rápida ativação.
A trombina também pode ativar intensamente o FV na superfície plaquetária, reação que é ampliada pelo polyP liberado pela plaqueta.
Ambos, o FV parcialmente ativo, liberado pelas plaquetas ou o FV derivado do plasma, podem ser ativados pela trombina.
A ativação da plaqueta pela trombina, está aumentada nas plaquetas ligadas diretamente ao colágeno, em oposição às plaquetas ligadas entre si ou à fibrina, que apresentam ativação menos intensa. Essas plaquetas têm níveis mais altos de fosfolipídio ácidos, incluindo fosfatidilserina, fosfatidilglicerol, ácido fosfatídico e derivados do fosfatidilinositol. Estão, também ligados, em níveis elevados, os fatores X, IX, VIII e V. Esses processos amplificados, promovem o aparelhamento das plaquetas para vários graus de geração de trombina. Essas plaquetas têm uma superfície lipídica apropriada (especialmente com fosfatidilserina), com receptores e cofatores ligados a ela.
Resumindo a fase de amplificação (presente na superfície de plaqueta não ativada) - a pequena quantidade de trombina na superfície plaquetária tem vida mais longa do que no plasma. Nesse local, liga-se a dois receptores (Ib e PAR-1) que produz maior ativação da plaqueta e, resultante disso, ao deslocamento da fosfatidilserina, da camada interna da membrana plaquetária, para a camada externa. A trombina também altera a conformação do complexo glicoproteína IIb-IIIa, facilitando a ligação desse complexo com a fibrina, que promove a ligação entre as plaquetas. Essas plaquetas têm níveis mais altos de fosfolipídio ácidos, particularmente, da fosfatidilserina. Estão, também, ligados, em níveis elevados, os fatores X, IX, V e VIII (esses dois últimos, respectivamente, cofatores do FX e FIX) . Isso leva a vários graus de geração de trombina.
3. Propagação
O FIXa, desde a fase de iniciação, se liga à superfície plaquetária, mesmo na presença de antitrombina plasmática, já que a vida média do FIXa no plasma é de cerca de uma hora. O FIX vai se ligar, ao seu cofator, FVIIIa na superfície da plaqueta formando o complexo IXa-VIIIa que, por sua vez, ativa o FX na superfície plaquetária.
O FXa, rapidamente, forma um complexo com seu complemento FVa que produz uma brusca e intensa quantidade de trombina, que ao agir sobre o fibrinogênio, leva à geração de fibrina de grande importância para a estabilização do trombo plaquetário.
Nessas reações, que se passam na membrana plaquetária, podemos entender o mecanismo fisiopatológico das hemofilias. A falta ou redução de FVIII ou FIX (respectivamente, hemofilias A e B), levará à redução do FXa e, consequentemente, da trombina.
A geração de trombina na superfície plaquetária inicia uma retroação sobre o FXI transformando-o em FXIa. Na presença de fosfatidilserina, exposta na superfície plaquetária, verifica-se a intensificação da trombina (ação alostérica). O FXIa ativa o FIX que, por sua vez, acoplado ao seu cofator (FVIIIa), ativa o FX (FXa) e gera mais trombina (caminho intrínseco da coagulação).
Pequena quantidade de trombina é necessária para gerar fibrina, e muita dessa trombina é formada após a formação do trombo plaquetário. A trombina formada liga-se à fibrina e por essa ação a fibrina recebe a denominação de antitrombina.
Os complexos Xa/Va plaquetários, parecem ficar ativos após longo período após a formação do coágulo (horas) e pode, rapidamente, gerar trombina quando em contato com plasma fresco como substrato. É provável que a trombina ligada à fibrina e a prolongada habilidade em gerar trombina são mecanismos de proteção para estabilizar o trombo hemostático. No desarranjo de um trombo hemostático, a trombina está disponível, imediatamente, para clivar o fibrinogênio e restaurar o referido trombo hemostático. Por outro lado, a protrombina presente no plasma pode ser ativada para repor o estoque de trombina e colaborar para a estabilização do trombo hemostático.
Resumindo a fase de propagação (presente na superfície de plaqueta ativada) - na plaqueta ativada o mecanismo da coagulação é ativado com maior intensidade pelo caminho intrínseco. Repare-se que esse início se dá pela ação do FXIa, não estando incluída a participação do FXII. Por esse caminho será gerada maior quantidade de trombina. Para impedir que essa trombina escape do microambiente hemostático, ela é absorvida pela fibrina e neutralizada pela TM e pela ATIII.
Controle e localização da hemostasia
Dando continuidade à descrição anterior sobre a formação do trombo hemostático, vista sob o ângulo do modelo celular da hemostasia, vamos nos referir agora às ações desencadeadas pelo organismo para impedir que as reações que levaram a ativação da plaqueta e dos fatores da coagulação, se disseminem para fora do microambiente hemostático, ou seja, para a circulação sanguínea.
A trombina que escapa para a circulação, do local da injúria vascular, tem que ser controlada para prevenir a transformação do fibrinogênio em fibrina na corrente sanguínea. Para que isso aconteça, a trombina é inibida pela antitrombina (AT) (conhecida anteriormente por antitrombina ATIII) no plasma ou se liga à trombomodulina (TM) na célula endotelial intacta. A TM é um receptor para a trombina e é expressa em níveis elevados nas células endoteliais, especialmente na microcirculação.
Após ligar-se à TM, a trombina perde a capacidade de coagular o fibrinogênio ou de ativar as plaquetas, mas permanece muito mais efetiva em ativar a proteína C. Isso previne a formação de coágulo no endotélio íntegro.
A proteína C (PC) é uma serina protease dependente da vitamina K, sintetizada no fígado e, ao ser ativada pela
trombina (acrônimo em inglês - APC) se transforma em um potente anticoagulante. A APC tem a capacidade de
degradar os fatores Va e VIIIa, tendo a proteína S e o fosfolipídio como cofatores. Limitando essa ação da APC estão o
inibidor da PC, a ∝2-macroglobulina e a ∝1-antitripsina.
O receptor endotelial da PC (acrônimo em inglês - EPCR) é um receptor transmembrana da célula endotelial tendo, também, como função a ativação da PC. O EPCR liga-se à PC e cria um ambiente propício ao complexo TM-trombina para clivar a PC e ativa-la.A proteína C ativada, cliva e inativa os fatores VIIIa e Va em uma reação que é exacerbada pela proteína S. Essa inativação é mais eficiente na superfície da célula endotelial do que nas plaquetas e sugere que a via da proteína C localiza a geração da trombina e não a inibe.
A proteína S (PS) é uma glicoproteína sintetizada pela célula endotelial e pelo fígado. Funciona como cofator para a APC na inativação dos fatores Va e VIIIa. Está presente no plasma na forma livre (40%) e os restantes (60%) formando complexo com uma proteína ligada ao C4b (C4b-BP). Apenas a forma livre tem atividade anticoagulante, ao passo que a C4b-BP reduz a atividade da PS levando a ativação da coagulação. A PS também tem propriedade anticoagulante que é independente da APC. Nesse caso, se dá a inibição reversível da protrombinase (complexo FVa-FXa).
Inibidor da via do (TF) (acrônimo em inglês - TFPI) é um polipeptídio produzido pela célula endotelial. É encontrado na superfície da célula endotelial e também circulando no plasma. É o principal inibidor da via do TF (conhecida, anteriormente, como caminho extrínseco da coagulação in vivo) que tem início com a ligação do FVIIa com o TF exposto.
O componente do sistema anticoagulante, mais recentemente descrito, a protease dependente da proteína Z (acrônimo em inglês - ZPI) é uma enzima plasmática produzida no fígado. Ela inibe o FXa em uma reação que requer a proteína Z e cálcio. A proteína Z é uma glicoproteína e funciona como cofator para a ZPI. A ZPI também inibe os fatores IXa XIa, porém esse mecanismo não necessita da proteína Z. http://ceaccp.oxfordjournals.org/content/early/2013/01/10/bjaceaccp.mks061.full
Por outro lado, o fluxo sanguíneo próximo ao ambiente hemostático, dilui as proteínas pró-coagulantes, impedindo assim que a coagulação se estenda. Uma vez a trombina, FX e outras proteases são removidas do local da formação do trombo hemostático, ficarão sujeitos à inibição pela antitrombina, pelo inibidor da via do TF (TFPI) e outros
inibidores plasmáticos.